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Diagnóstico e suas delicadezas.

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Atualizado: 20 de jun. de 2022

“Observar, observar e observar.” Ana Primavesi




Manter a curiosidade, a capacidade de observar, de perguntar, de descobrir rastros e vestígios. Chegar próximo ao tesouro… a alma logo ali. Uma câmara sagrada na qual vemos as enfermidades, suas origens, seu desenvolvimento… mas sobretudo, um espírito luminoso.

É o espírito luminoso de cada ser que nos guia e orienta para seu próprio processo de cuidado.


Quanto tempo em uma consulta dedicamos a observar a pessoa? Quanto dedicamos a perguntar, ouvir, sentir, ler o seu mundo?

Qual a qualidade que imprimimos nesse tempo? Quanto investimos em nos encontrar com a luminosidade de seu espírito?

Certamente esse é um dos aspectos mais importantes para a qualidade de um tratamento.


“Ele nem olhou pra mim. Não perguntou nada. Só passou o remédio.”

Quantas vezes não ouvimos essas queixas e relatos sobre uma consulta médica? (Não é sempre, mas são muitas vezes.)


Essas características ficaram comuns num tempo contemporâneo em que curar e cuidar se aproxima, ou é associado a dar remédios de forma protocolar e padrão.


Em que os tempos para consultas médicas seus convênios e protocolos são cada vez mais rápidos e reduzidos. Pois bem, uma das maiores preciosidades que a Medicina Tradicional Chinesa nos oferece é a diversidade e qualidade de seus diagnósticos. O esmero com o qual os considera e esse saber cuidadoso não pode ser perdido. E também, quem o pratica não pode deixar de aprimorar-se constantemente em ver, ler, diagnosticar, não enfermidades, mas pessoas. E pessoas almadas. Espíritos com-forma, ‘luzes do sol” que a folha tragou, traduziu e fez gente.


Meu pai, quando encontrava um problema na roça, se deitava sobre a terra com o ouvido voltado para seu interior, para decidir o que usar, o que fazer, onde avançar, onde recuar. Como um médico à procura do coração.


Nesse trecho do livro Torto Arado, do baiano Itamar Vieira, encontramos a delicadeza do diagnóstico, deitar-se sobre a terra, auscultar-lhe, aproximar-se dela corpo a corpo e buscar seu coração é o mesmo que podemos fazer ao ler o pulso de alguém. Também é essa delicadeza de busca do coração que procuramos ao olhar atentamente a língua, ou ao apalpar alguém em busca de sinais, de compreensões, de caminhos. Também buscamos o coração quando observamos a tez, o biotipo, ou quando ouvimos atentamente.


E bem, se é tão importante diagnosticar, alguns princípios orientam esse diagnóstico. Por exemplo, o respeito é um pressuposto básico, o pedido de licença que antecede a entrada na casa de alguém.

Ler o pulso, ler a língua, apalpar são formas de entrar na casa de alguém e perguntar-lhe como vai. É importante para isso, sempre, ter uma postura de profundo respeito para entrar, para perguntar e para escutar o que é respondido.


Também é fundamental aprender a alargar os sentidos, ampliar a capacidade de captação de sinais para que seja possível de fato ouvir. Além disso, um desafio é ouvir o que se está dizendo, com o pulso, a língua, a tez, a voz e não aquilo que gostaríamos, suporíamos, ou imaginaríamos ouvir.


Aprender a fazer um diagnóstico de qualidade tem uma porção, ou alguns elementos técnicos e práticos, mas certamente o maior trabalho para que o diagnóstico seja de qualidade é interior. Lapidar os sentidos, aprender a ler sinais, ser capaz de estar presente.

Talvez por essa razão a anamnese e o diagnóstico sejam aspectos terapêuticos deixados tão de lado. Por vezes considerados difíceis, anunciados como complexos e inalcançáveis. Apresentados de forma cansativa, decorativa e pouco prática.


Enquanto na verdade, para quem busca formas de cuidar, poderia ser uma delícia e uma constante busca curiosa compreender a alma de quem chega, aos pouquinhos, compreender suas luzes, onde ela se rompe, onde ela dói, onde arde, onde se compraz e os caminhos que ela mesma indica, porque certamente, em um nível muito profundo esse saber qualifica o que podemos oferecer como cuidado e tratamento e, só em fazer um bom diagnóstico já oferecemos ali um elemento de cura precioso, o alento.


A terra se compraz quando alguém se dedica com tanto afinco a ouvi-la, que deita sobre ela e busca ouvir seu coração, os espíritos humanos também e por essa razão, nesse instante abrem segredos que técnica alguma seria capaz de tocar sozinha. A alma não está para a técnica que não emerge da própria alma.


A maior riqueza dos diagnósticos não pode ser comercializada, tampouco aprendida em manuais rápidos e oferecendo vantagens prontas, mas os mundos que se abrem a partir da dedicação a diagnosticar, certamente valem muito a pena. Não somente para a prática e atuação terapêutica, mas para aprender a ler mundos.


Recordando que cada mundo é um e que não há receitas prontas nas quais caibam todas as almas, nem formas para todos os corações.


“Vou aprender a ler pra ensinar meus camaradas…”







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