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Gestação, o céu dentro da barriga.

sementeirascontato

Atualizado: 20 de jun. de 2022

Diz a tradição chinesa, através de sua ideografia, que uma pessoa grávida é uma pessoa com boa saúde.


A gestação, quando em sintonia com sua natureza, é um tempo sagrado em que o ser está mais pertinho do céu. Não que em outro tempo não se possa vivenciar esse estado de consciência, mas durante a gestação, a intuição, a conexão com os sopros da terra e do céu ficam mais visíveis. A força instintiva de um animal para proteger a vida é manifestada.


Se diz que em uma pessoa gestante, não devemos tocar. Isso não se dá pela ideia de que esse ser está enfermo. Exatamente o contrário, há uma plenitude de saúde que não precisa de intervenções. Se deixarmos a natureza atuar conforme sua sabedoria, o fluir dos movimentos se torna suave e preciso.


Assim, através da medicina chinesa, podemos atuar de forma preventiva através da alimentação, Qi Gong, da arte, da escuta etc, e apenas quando haja alguma necessidade específica fazer uso da puntura e moxabustão.

A gravidez é o resultado da parada da menstruação, assim, os canais energéticos responsáveis por ela, mais especificamente Chong Mai e Ren Mai se alteram. Como já não há uma perda mensal de água celeste (sangue menstrual), ocorre um aumento gradual dos líquidos e também um acúmulo de fogo ministerial no interior. Essa água celeste passa a cumprir agora a função de nutrir o feto e a gestante.


Por isso, há diversos mecanismos de proteção da pessoa gestante e do bebê neste tempo, pois toda a essência que seria devolvida para a terra no processo menstrual está à serviço de ambos. Podemos observar esse mecanismo ao olharmos para as gestantes que acabam perdendo peso ao invés de ganhar sem nenhum tipo de alteração na nutrição do bebê, bem como os mecanismos de proteção da massa óssea da mesma, que dificilmente perdem cálcio na gravidez. A saúde de ambos dependerá de como estava a essência da pessoa antes mesmo de engravidar.


Esse tempo passa por um processo de “yinguinização”, um movimento em que esse ser intermediário que acolhe o bebê ao longo de seu caminho, realiza um passo rumo a hiper concentração de yin. Ao longo deste tempo, o corpo vai enlentecendo ao mesmo tempo que ganha flexibilidade, ou seja, não é um enlenteder rígido, mas sim, como o movimento da água que se adapta aos caminhos por onde passa, ainda que da forma mais quieta.


A quietude vai ganhando espaço, a escuridão toma forma através do predomínio da intuição, dos sonhos, da amplificação sensorial, do cuidado. A barriga cresce, os líquidos aumentam, todo movimento de concentração ganha força.


A dança entre sangue e energia, Xue e Qi se inicia de tal forma, que Xue ganha predomínio, e assim, a energia se encarrega de movê-lo para que possa garantir seu movimento adequado.


O parto é como uma montanha.


Escutei uma vez durante uma viagem ao Chile a respeito dos tremores: diziam que é mais confortável quando há pequenos tremores, pois assim, a terra vai dispersando sua energia aos poucos e não concentra força suficiente para um grande tremor.


O alerta se dá quando as montanhas entram em silêncio por um longo período, como se estivessem grávidas. Tamanha é sua concentração de energia em quietude, que dá origem a um movimento grande das placas, com terremotos de magnitude altíssima, que para os olhos da terra não causam danos, e sim é capaz de parir novas formações. A mãe terra em sua contração dando cria, dando à luz.


Dessa forma, é necessário oferecer à gestante o movimento justo de sua energia para não gerar um movimento energético grande ou dispersar a energia que agora está se concentrando até a chegada do parto.


O que não significa dizer que uma gestante deve permanecer em repouso durante seu tempo gestacional, ao contrário, como já dissemos, uma gestante goza de uma excelente saúde e deve mover-se da maneira como sentir que lhe faça bem, porém é imprescindível que ela mesma seja capaz de sentir qual movimento lhe faz bem e não que outra pessoa o diga.


Sob a intuição de uma gestante, não se deve discordar.



Dizia Vivi Camacho (parteira tradicional e médica obstetriz da Nação Quíchuas da Bolívia) em um encontro de saberes tradicionais, que devemos nos atentar para como nascem as pessoas, pois no nascimento se imprime um sopro nesse ser.


Se essa pessoa vivencia em sua primeira passagem na terra um momento de medo, terror, abandono, descuido, essas serão as energias impressas em sua matéria. No entanto, se é recebido com amor, em um lugar aconchegante, respeitando seu tempo de chegada, banhado pela escuta, cuidado e amor, esse será o sopro impresso em seu corpo, a primeira vivência que levará para o resto de sua jornada.


Quando nos deparamos com uma gestante, devemos nos recordar e recordá-la desse contato com o céu. E que não é apenas sua a responsabilidade e o cuidado com esse ser que chega, mas um cuidado de todos enquanto espécie, enquanto gente que quer que a vida permaneça em sua natureza, em sua caminhada.


Cuidar do olhar para este tempo é cuidar do olhar para todos nós. Isso está longe do questionamento se nascerá de cesariana, normal ou natural. O cuidado e o apoio antecedem este questionamento. Talvez, se antes de pensarmos como será o parto, tivéssemos como premissa cuidar da chegada desse ser e dessa pessoa que o custodia, não necessitaríamos discutir como realizar um parto, pois o respeito ao tempo, à natureza, estaria como fato inquestionável, e as intervenções estariam a favor da vida e não contra ela.






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